quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

LEMINSKI E AS CIGARRAS DO HERMENEGILDO

Inspirado na biografia do Paulo Leminski e no maravilhoso verão de 2010, escrevi a crõnica que voces podem conferir a seguir:

"Não canso de repetir: não gosto dos revolucionários. Geralmente trazem sangue inocente em suas mãos. Por outro lado, sou apaixonado pelos rebeldes, aqueles inquietos, que suam de prazer e emoção, que não se conformam e transpiram mesmo no mais alto inverno. Paulo Leminski era um desses.

Poeta curitibano, filho dileto do concretismo e da contracultura, creio que até hoje não teve o seu valor reconhecido pela rançosa crítica literária brasileira. Não foi à toa que, no auge do Tropicalismo, recebeu mais de uma vez a visita da Caetano Veloso e Gilberto Gil, para ficar nos mais famosos. Em sua contida poesia, estão contidos (desculpem a redundância) desde Ezra Pound até Osvald de Andrade, culminando nos haicais, a poesia japonesa em sua essência. Não se resumiu só a isso. Foi professor, publicitário, letrista de MPB e o que lhe desse na telha. Extremamente bem informado, falava várias línguas, entre elas, o grego e o latim. Paulo Leminski foi um gênio que soube trabalhar a sua língua pátria como poucos. Querem um exemplo? Pois bem, aí está:

“Haja hoje para tanto ontem.”

Outro? Por menor que seja?

“Tudo dito/nada feito/ fito e deito.”

Isso é o mínimo. O poeta foi ainda autor de frases que dizem muito em pouco espaço: “o concretismo é uma pedra no caminho da poesia brasileira”. Querem mais Leminski? Comprem seus livros. Procurem saber mais sobre ele, a internet está aí para isso. Eu continuo com esta crônica de verão.

As cigarras, segundo informa a internet (olha ela aí de novo), passam a maior parte do ano quietinhas no solo, alimentando-se da seiva das raízes das plantas. Só quando o clima esquenta e começam a cair as primeiras chuvas de verão, é que elas saem de seu esconderijo debaixo da terra...” Sabem para quê? Para AMAR! Para perpetuar a sua espécie e para nos inebriar com o seu canto.

E o que tem a ver o Hermenegildo com isso tudo? É bom lembrar que, antes de ser a “maior praia do mundo”, como querem muitos, ou o “mar da tranqüilidade” como ainda sonham poucos, ou outro rótulo qualquer, esta praia é um estado de espírito. Um lugar telúrico situado entre o coração e a memória daqueles que amam as coisas simples e belas que a natureza oferece. São momentos mágicos que a natureza nos oferta em sua imensa generosidade. Isso aconteceu novamente comigo. Lá no Hermenegildo.

Neste último domingo acordei tarde. Estava sozinho. Dei uma volta pela beira da praia. Almocei e sentei na frente da casa para continuar lendo a biografia de Paulo Leminski. Era possível ver o mar e ao mesmo tempo sentir uma leve brisa que ajudava a amainar o enorme calor das 13:00 horas . Perfeito para cochilar, mas preferi ler esse fascinante livro escrito por Toninho Vaz. Suas páginas dizem muito e a abstração foi total. Apenas eu e o livro.

E foi aí que me deu um estalo. Não enxergava ninguém na rua. Nenhum banhista atrasado ou adiantado. O calor era sufocante e aquele zumbido inebriante. Foi como uma revelação. Quando percebi estava rodeado de cigarras, dezenas delas, centenas até. Elas cantando, saudando o ato de viver e eu ali, embasbacado, arrepiado de emoção, não acreditava que isso estivesse ocorrendo comigo. Um momento único, raro, em minha vida. Um presente dos deuses, uma oferta de Deus. Tinha de dividir esse “instante profundo”, como bem disse Violeta Parra e liguei para o Zorro, primo e amigo. Acho que só ele para perceber o que eu estava sentindo. Entre risadas e citações, lembrou Antonin Artaud. Portanto, segui no meu delírio, e foi fácil de concluir que não só ali, mas por todo o Hemenegildo, voavam e cantavam milhares de... FADAS.

Obrigado Leminski!"

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