terça-feira, 23 de setembro de 2008

POESIA AO ACORDAR

a companheira

mais do que nunca a poesia, hoje mais do que nunca,
com seu exorcismo da chacais,
com uma chama purificadora e sua memória obstinada.
açoitada por uma história vertiginosa,
onde nos perdemos no redemoinho astronômico da informação,
a poesia mais do que nunca: seus olhos seletores fixando
o que não temos o direito de esquecer,
salvando pássaros, instantes mágicos como o brilho da luzes cintilantes,
como auroras soberbas, luas, a beleza, a dignidade da vida.

mais do que nunca, ali onde abutres de fora e de dentro
assanham-se contra os olhos abertos de um povo,
arrancam e destroem as flores do sorriso e o sonho: caricaturas de si mesmos,
milionários e coronéis cheirando à morte;
contra eles, mais do que nunca, a poesia.
na memória dos homens que lutam, ela é sempre uma fonte de armas,
a chama do fogão e a espessura dos montes, o trago d' água,
a que estende a mão á batalha e ao repouso.
mais do que nunca a poesia, porque nela faz ninho o futuro.

JÚLIO CORTÁZAR
Dedicada ao amigo poeta NELSON BRAWERS, pelas nossas nobres discussões sobre política, cinema e, claro, poesia, lá nos anos 70.

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