quarta-feira, 17 de outubro de 2007

ANTOLOGIA D'O PASQUIM & VINICIUS DE MORAES

Conheci O PASQUIM lá por volta de 1970/71, mas comecei a lê-lo (êpa) regularmente a partir de março de 1974. Portanto perdi a sua melhor fase que deve ter ter terminado antes dessa data. Mesmo assim o jornaleco, como era chamado pela "patota" (essa gíria vai pegar), serviu como fonte de informação e de resistência aos desmandos da ditadura para muita gente, inclusive para um pôrra-louca (êpa, de novo) como eu era.

Há algum tempo atrás ganhei de presente de um grande amigo, a ANTOLOGIA D'O PASQUIM, volume 1, que abrange o período entre os anos de 1969 e 1971. Uma maravilha e que me trouxe algumas grandes surpresas, todas elas positivas. A começar pelos PERFIS DO PASQUIM, belíssimas crônicas escritas por VINICIUS DE MORAES. Nem lembrava mais que o "poetinha" havia colaborado com o jornal de maneira tão constante. Como esse livro está sempre presente na cabeceira da minha cama, eventualmente releio algumas delas com o máximo prazer. Duas dessas crônicas são espetaculares. Uma em homenagem a CIRO MONTEIRO ( "...você, sobrinho de Nonô", como diz a letra de SAMBA DA BENÇÃO), um amigo querido de VINICIUS e a outra um lamento bem humorado pelo falecimento de outro grande parceiro de noitadas: ANTÔNIO MARIA.

VINICIUS e seus amigos viveram uma vida fantástica e altamente produtiva. Desde os melhores ambientes europeus até um boteco numa travessa do Rio de Janeiro. Sem susto e sem preconceito. Publico a seguir dois trechos de cada uma para vocês sentirem a qualidade do que elas denotam e conotam.

A primeira fala sobre sua relação com ANTÔNIO MARIA: "Nós amávamos as moças, meu Maria, e as moças nos amavam. Era lindo. depois pegamos meu carro e fomos de batida até Cannes, para cobrir o Festival de Cinema. Festival? O nosso começava às 11 da noite, quando íamos relisiosamente traçar um poulet grillé maravilhoso, a criança se desmanchando toda. Depois, o Festival terminou, nós esticamos por nossa conta, Cannes vazia: que nos importava? Ficamos permanentes de uma boate de lésbicas, você caindo de dólares, muito champagne, papo-furado.
Lésbicas? Não ficou uma só para contar a história. A moçada não aguentou o rolo compressor. Foi demais para elas. E de madrugada eram os caminhos floridos da Costa Azul, os perfumes estonteantes, a sueca Ingrid com 1,80 m: basta dizer que era a que ficava no topo da pirâmide no final do strip-tease. Ela tirava os sapatos e agachava-se toda para dançar comigo. Uma delicadeza de mulher."

A outra, relembro, era para CIRO MONTEIRO: "Uma manhã, há muitos anos, atravessada da noite anterior, Américo Marques da Costa e eu, com muita uca na cuca, sentimos terríveis saudades do Ciro e fomos bater em seu antigo "barraquinho", como ele amorosamente o chamava: um conjugado desse tamanhinho, que vivia de porta aberta para quem quisesse entrar e onde eu conheci algumas mulatas que realmente não eram deste planeta. Lu, sua mulher, que conheceu quando ambos trabalhavam num filme da Atlândida, Segura essa Mulher (Ciro só fez obedecer), deu-nos dois velhos calções de banho, dois pares de tamancos e lá fomos os três para os caixotes do Seu Domingos, onde a patota ia se revezando e os trabalhos eram intensíssimos. Era pleno verão, e só terminamos nossa sauna de cerveja para cair nos braços de um ensopadinho de abóbora, que Lu faz maravilhosamente, e logo a seguir nos de Morfeu. Roncamos e urinamos como pagãos, prova evidente de nossa felicidade e bem-estar, e do bom funcionamento de nossos rins. Porque não há nada que tenha melhores fluídos que a casa de Lu e Ciro. Onde quer que eles morem ou estejam, até em quarto de hotel, respira-se um ambiente de carinho e proteção. Ciro é, como eu, da linha de Xangô, e Lu, como minha mulher Gesse, é filha de Iansã. Não pode haver combinação mais divina."

Viram só? O Itamarati e a censura, devem ter enlouquecido com a genialidade e o desprendimento do nosso poeta. Da poesia clássica, passou pela crônica e terminou como letrista de música popular. Grande poeta e capitão do mato VINICIUS DE MORAES.
Quem quiser descobrir essas belezas escritas e publicadas em 1970 (e muito mais) basta procurar nas boas lojas do ramo ou nos sebos de sua cidade: ANTOLOGIA DO PASQUIM, VOLUME 1, 1969 - 1971. Sem esquecer que já está no prelo o Volume 2.

P.S. Os "epas" e "essa gíria vai pegar", são expressões puramente pasquinianas.

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