quinta-feira, 2 de outubro de 2008

CHARLES ANJO 45 é 2º Tenente Reformado da Marinha

Há alguns anos atrás descobri que CHARLES ANJO 45, personagem de uma música de JORGE BEN JOR, havia existido e estava vivo. Seu nome era AVELINO CAPITANI, morava em Porto Alegre e pleiteava ser ANISTIADO, recuperando com isso seus direitos civis e políticos.

Essa reparação veio em janeiro de 2003, conforme nos informa uma matéria de Nilson Mariano para a Zero Hora de hoje (02/10). Capitani acha que teria direito ao soldo de capitão mas, segundo Mariano, não perde o sono com isso.

A seguir transcrevo informações colhidas no site do SINPRO-RS:

"A história do marinheiro Avelino começou em 1960, no início de uma década polarizada por duas correntes: a esquerda nacionalista e a direita conservadora. Essas eram as expressões da época. Gaúcho de Lajeado, Capitani ingressou na Marinha aos 20 anos. O colono do interior foi direto para o Rio de Janeiro. Dois anos depois, era criada a Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais que tinha como reivindicações o direito ao casamento, o fim do livro de castigos, o direito a andar como civil em casa. A Marinha se negou a conceder esses direitos sociais e, sem muita saída, a Associação acabou se alinhando às chamadas forças nacionalistas.

O que veio depois é uma história pouco narrada nos livros oficiais, mas ainda presente na memória de seus personagens. “À tardinha, no dia posteior ao golpe militar, dez mil soldados estão a postos para atacar três mil marinheiros, aquartelados, com tanques e canhões; se aproximando do Rio, mais 50 mil soldados vindos de São Paulo”, recorda. Capitani estava no comando do movimento e viu homens chorando com a iminência da morte.

Como revanche à ousadia dos marinheiros, veio a perseguição às lideranças do movimento. Ao todo, 1.509 homens foram expulsos e processados; 400 foram condenados. A soma total das penalidades chega a 13 séculos de prisão, 1.300 anos, “a maior pena coletiva da história do Brasil”. A Marinha, além disso, mandou ofício circular para todas as empresas brasileiras proibindo dar oportunidade de emprego aos condenados. Sem alternativa de vida, muitos se refugiaram no interior, outros foram viver de biscate. E uma outra parte, onde Capitani se inclui, caiu na clandestinidade.

Capitani foi preso, fugiu, se asilou no Uruguai e fez treinamento de guerra em Cuba. De volta ao Brasil, clandestino, participou da Guerrilha de Caparaó - o primeiro foco guerrilheiro no Brasil. Foi mais ou menos nessa época que surgiu o codinome que o acompanhou por um bom tempo de sua vida: CHARLES ANJO 45.

O nome de guerra era Charles porque ele era LOIRO, parecendo um europeu. ANJO porque numa das penitenciárias foi atendido por um grupo de estagiárias de assistência social que o apelidaram de anjo loiro. E 45... bem, porque na guerrilha ele usava uma pistola 45.

Quando foi ferido, o anjo loiro subiu o morro para escapar do cerco. Na fuga, foi ajudado por moradores da favela, mas deixou um rastro de sangue. “Como eu desapareci, pensaram que eu estava morto. Daí o Jorge Ben fez a música”, relata. Capitani viveu clandestinamente até a promulgação da lei da anistia, em 28 de agosto de 1979".

Um grande mistério foi esclarecido, Avelino Capitani está vivo e, apesar das torturas sofridas, goza de boa saúde, mas outro mistério continua: JORGE BEN JOR, compositor inspirado (tenho vários CDs e LPs dele) nunca foi muito ligado em temas políticos. Talvez a única excessão seja CHARLES ANJO 45 (não lembro de outra). Minha admiração pelo Babulina, parceiro de Caetano, Gilberto Gil e tantos outros, cresceu ainda mais. Portanto fica a pergunta: O que o levou a escrever essa maravilhosa canção?

Enquanto aguardamos a resposta, deliciem-se com a letra de CHARLES ANJO 45, uma homenagem ao marinheiro AVELINO CAPITANI.

Charles Anjo 45

Jorge Ben Jor

Ôba, ôba, ôba Charles
Como é que é
My friend Charles
Como vão as coisas Charles?...

Charles, Anjo 45
Protetor dos fracos
E dos oprimidos
Robin Hood dos morros
Rei da malandragem
Um homem de verdade
Com muita coragem
Só porque um dia
Charles marcou bobeira
Foi sem querer tirar féria
Numa colônia penal...

Ôba, ôba, ôba Charles
Como é que é
My friend Charles
Como vão as coisas Charles?...

Charles, Anjo 45
Protetor dos fracos
E dos oprimidos
Mas Deus é justo e verdadeiro
E antes de acabar as férias
Nosso Charles vai voltar
Para alegria geral
Antecipando o carnaval
Vai ter batucada
Uma missa em ação de graças
Vai ter feijoada
Whisky com cerveja
E outras milongas mais

Ôba, ôba, ôba Charles
Como é que é
My friend Charles
Como vão as coisas Charles?
Charles, 45...

Charles, Anjo 45
Protetor dos fracos
E dos oprimidos
Mas Deus é justo e verdadeiro
E antes de acabar as férias
Nosso Charles vai voltar...

Para alegria geral
Antecipando o carnaval
Vai ter batucada
Uma missa em ação de graças
Vai ter feijoada
Whisky com cerveja
E outras milongas mais...

Ôba, ôba, ôba Charles
Como é que é
My friend Charles
Como vão as coisas Charles?...

24 comentários:

Unknown disse...

Parabens pelo texto Poti, sempre achei que o Charles nao era um personagem fictcio, mas tambem pensava que era um carioca do morro, nunca imaginei que era um oficial da marinha e ainda um gaúcho. Conheci a musica no final dos anos 80 no disco "D" do Paralamas do Sucesso, ao vivo em Montreaux. Das inumeras versões é a eu mais gosto, talvez por ser a que eu conheci.

joao p. guedes disse...

Prezado Poti,

Muito interessante a história, trouxe bons esclarecimentos. Mas a narrativa relata apenas a condição passiva de Charles quando ele esteve no morro; lateja, ainda, a pergunta: o personagem foi, de fato, "protetor do fracos e dos oprimidos, Robin Hood dos morros"?

Atenciosamente,
j.

Anônimo disse...

Interessantíma a historia, sempre achei que havia algo por tras do nome CHARLES, mas ainda nao tinha encontrado nada que me desse convicção disso. Também puderás eu não me recordar, tenho 22 anos, a historia de CHARLES se passou a tempos atrás. Palarabens pelo post.

Mar Eu disse...

Cara...preciso discordar de você...Jorge cantou negritude, orgulho da cor...falou em deuses africanos e muito mais...e isso numa época de repressão profunda...onde a religião era a católica e os movimentos de afirmação estavam só começando...JORGE sempre foi muito ligado, mas como a era "não era pra peixe" fazia isso com suingue e muita graça...

armário da fla disse...

Estava pesquisando este tema e encontrei duas entrevistas do próprio Jorge Ben (Veja e Roda-Viva) esclarecendo quem era o verdadeiro Charles Anjo 45.
“Eu chamo Charles de anjo 45 porque ele era um cara bom, muito sentimento. Eu acho que ele é um anjo porque ele tem aquêle pulso, um pulso forte, ele tem um coração bom, o coração bom pros caras que são bons e o pulso forte pros inimigos. Então eu acho que ele é um anjo, ele é um justiceiro.
O Charles é um amigo lá do Rio Comprido, da Tijuca, de infância. É um cara que por motivos diversos aos meus se meteu em bobagem. Bobagem, não sei, ele tava na dele… O Charles tinha mil coisas, tinha ponto de bicho, tinha boca de fumo, mas é um cara bacana, sensacionai, pô. Ele foi preso por causa de uma 45. Ele usava 45, depois é que ele foi preso, condenado. O nome dele é Charles Antônio Sodré, ele é filho de português, ele deve ter uns 28, 29 anos. Ele não tem crime nenhum".
Inclusive na entrevista ele fala que não tinha mesmo nenhum envolvimento direto com a política nacional, mas sim com a realidade local, ou seja, a do Rio de Janeiro. Segue os links das 02 entrevistas:
http://veja.abril.com.br/arquivo_veja/capa_27051970.shtml
http://www.rodaviva.fapesp.br/materia/66/entrevistados/jorge_ben_jor_1995.htm

Felipe Kotzen disse...

Simplesmente fantástico o texto, conheci a musica através dos Paralamas,sempre tive curiosidade por essa canção e eis aqui, uma verdadeira obra prima da composição, Salve Salve a musica popular brasileira,
E obrigado POTI, excelente trabalho!

Anônimo disse...

Cara, ele não era tenente coisa nenhuma! Ele era bandido, da favela, protegia a galera do morro! Esse texto aí tá deturpando a história....
No funk que o Caetano fez pra Gal cantar ele coloca o Charles junto com outros dois ladrões:

São Dimas, Robin Hood e o Anjo 45

que foram todos "bandidos do bem" por assim dizer.

Anônimo disse...

Cara, ele não era tenente coisa nenhuma! Ele era bandido, da favela, protegia a galera do morro! Esse texto aí tá deturpando a história....
No funk que o Caetano fez pra Gal cantar ele coloca o Charles junto com outros dois ladrões:

São Dimas, Robin Hood e o Anjo 45

que foram todos "bandidos do bem" por assim dizer.

Cesar Augusto disse...

Mas bah que saudade do Capitani na década de 70 esteve em Jaguari/RS, eu era do setor jovem do MDB e ele esteve nos ajudando a organizar o diretorio, onde andas tche.
Cesar Murari
Jaguari/RS

Aline Freitas disse...

Eu conheci essa música enquanto morava em Londres por volta de 2002. Estava numa coletâna se não me engano The Rough Guide to the Music of Brazil. Se não essa foi em uma dessas coletâneas to The Rough Guide. A música me chamou muito a atenção pela letra. Uma amiga inglesa queria que eu dissesse o que dizia a letra. Eu disse que era talvez um líder comunitário que foi preso no Rio. Ela ficou impressionada como uma música pop, dançante pode ter um tema político tão sério.

A música foi um enigma para mim, tentei procurar recentemente mas eu não me lembrava mais da letra. Até que me deparei com ela na versão do Paralamas, e pesquisando vim parar aqui. Os comentários da "armário da fla" são bem esclarecedores e me parece ser a verdadeira versão sobre quem é este personagem Charles, Anjo 45.

As Mulheres e Rennan disse...

Sou fã de carteirinha do Babulina. nos meus tempos de compositor em festivais estudantis fiz muita coisa inspirada nele, e sempre preferi a versão a versão original de "Charles Anjo 45" cantada por ele mesmo. Mas sobre a personagem real que inspirou a letra, apesar de o perfil apresentado se encaixar em muitos dos delinquentes que ficaram famosos na década de 60, eu já lí em uma reportagem sobre policiais e bandidos daquela época referências a um certo Charles que protegia e ajudava os moradores da sua comunidade, a exemplo de Mineirinho, Cara-de cavalo, etc.
O Jorge Benjor popularizou a lenda, mas cabe a nós rastrea-la e depurar o seu quinhão de realidade.

Ramires disse...

Eu conheci ele, quando foi dar uma entrevista no clicRBS, depois do chat visitou a sala da Arte para dar um autógrafo num poster que mantinhamos lá. Neste dia ele revelou ter perdido todos os dentes na tortura e que "uma das piores coisas quando se está sendo torturado, é não ter o que contar..."
Ele é um de muitos militares contrarios ao golpe de 64 que sofreram horrores nesta época.

Unknown disse...

parabens poti sempre tive curiosidade de saber a origem dessa musica acho que esta muito bem resolvida , o meu pensamento que ele era um dos hells´ pois sou abutre queria muito saber se o ben jor tinha feito musica pro cara mais to satisfeito.

Unknown disse...

parabens poti sempre tive curiosidade de saber a origem dessa musica acho que esta muito bem resolvida , o meu pensamento que ele era um dos hells´ pois sou abutre queria muito saber se o ben jor tinha feito musica pro cara mais to satisfeito.

Professor Pedro A. C. Teixeira disse...

Olá Paulo Potiguara.
Há muito tempo venho pensando em escrever sobre o Camarada Avelino, Capitani em meu blog (Eu sabia, e tu sabias?). com ele militei no PCB.por longos anos. Capitani não só era meu camarada era uma pessoa que eu o recebia em minha casa como um irmão.
Ele,Augusto Ruschel João Avelini, Lauro Hagemann e outros comunistas de primeira linha. Homens que jamais deixaram o sonho morrer. Fico feliz em saber de Capitani ou Charles. Minha filha, em seu TCC, salientou a história do PCB de Canoas e entre as pessoas citadas estava o Anjo 45, que ela conheceu quando ainda era um menina.
Parabéns pelo texto. Um documento histórico maravilhoso.

Professor Pedro A. C. Teixeira disse...

Olá Paulo Potiguara.
Há muito tempo venho pensando em escrever sobre o Camarada Avelino, Capitani em meu blog (Eu sabia, e tu sabias?). com ele militei no PCB.por longos anos. Capitani não só era meu camarada era uma pessoa que eu o recebia em minha casa como um irmão.
Ele,Augusto Ruschel João Avelini, Lauro Hagemann e outros comunistas de primeira linha. Homens que jamais deixaram o sonho morrer. Fico feliz em saber de Capitani ou Charles. Minha filha, em seu TCC, salientou a história do PCB de Canoas e entre as pessoas citadas estava o Anjo 45, que ela conheceu quando ainda era um menina.
Parabéns pelo texto. Um documento histórico maravilhoso.

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
AGMach disse...

Olha gente, querer saber da história do Brasil por Jorge Bem é piada. Vide Chica da Silva. Dele mesmo ,e o samba do crioulo doido do estanislau. Jorge bem é músico, de muito swing, isso é o que conta.
Porém no texto acima, há uma omissão grave: o sr capitani, estava envolvido no levante dos praças, encabeçado pelo sr Leonel Brizola, pelo cabo Ancelmo e outros terroristas, que mais tarde,como veio se confirmar, ingressou na luta armada. Depois com a anistia, é mais um que vive de pensão às custas do povo brasileiro. Naquele tempo já não havia livro de castigos,o qual foi abolido nos tempos de João Cândido. Para casar, o praça tinha que ter condições de sustentar a família, coisa que o salário dos marujos rasos não permitiam, naquele tempo também todos os militares andavam fardados nas ruas, veja os filme da época. Naquele tempo também,a marinha de guerra do Brasil era quase tão liberal quanto a marinha americana,o cara tinha orgulho em ser da”gola” - pertencer a armada.
Charles é surrealismo da arte benjoriana.

Unknown disse...

A letra não está correta...

Unknown disse...

A Musica de Jorge Ben Jor: "Take Easy my brother Charles" também deve ser sobre o mesmo Charles.

Unknown disse...

na década 60 (1960) eu com pouco mais de 10 anos de idade, ouvi a música no rádio. Hoje, 60 ans depois, tenho o prazer de descobrir a verdade sobre a origem do personagem, fico com a narrada pelo próprio compositor "JORGR BEN"

Unknown disse...

Caramba que historia legal , queria saber sobre o anjo 45 desde 2005 ,valeu assiste também um rap inspirado nessa música chamada "anjo 45 " do grupo império z/O

Jefferson Menezes disse...

a personagem Charles de que fala a letra foi baseada num homem real, e a figura de “anjo” aparece com frequência numa série de canções de Jorge Ben.

A primeira serve mais como curiosidade, já que a força criativa e a inventividade inerente a uma obra artística se sobrepõem, na análise em que estou interessado, ao fato de Charles ter sido inspirado em alguém (até porque é incerto em quem Jorge buscou inspiração, se num colega de infância ou num militante antiditadura da Marinha).

Já a segunda observação é fundamental, pois auxilia na apreensão dos significados por trás da letra. No período entre 1965 e 1974, Jorge Ben fabrica a alegoria do “anjo” em suas composições. Trata-se sempre de uma figura masculina e racializada, um guardião da ordem dos morros e favelas que se alicerça na paz, na justiça e na liberdade, apesar de, aos olhos de fora (da polícia e do Estado), ele ser tido como ilegal e indesejado. Canções como Descobri que sou um anjo (“por isso eu não vou mais/ curvar minha cabeça/ e nem beijar os seus pés/porque eu descobri que sou um anjo”), Charles Júnior (“eu só quero viver em paz/ e ser tratado de igual para igual”) e Take it easy my brother Charles (“take it easy, meu irmão de cor”) também apontam para o sujeito negro, homem e marginalizado que é o defensor de sua comunidade.

Unknown disse...

Gracias por aclararme esa canción que la escucho y la canto desde muy joven !! Excelente historia.